domingo, 6 de setembro de 2009

T.S. Eliot: "Retrato de uma Dama" (de "Prufrock and Other Observations")

Thou hast commited-
Fornication: but that was in another country,
And besides, the wench is dead.
-
The Jew of Malta

I
Em meio à fumaça e cerração de uma tarde de Dezembro
Tens a cena montada – assim aparenta ser –
Com ‘eu guardei para ti esta pós-sesta’;
E postas quatro velas de cera no quarto oscuro,
Quatro luzernas aneladas no teto,
Atmosfera de Julieta o túmulo
Preparada para tudo ser ou ficar por ser dito.
Ficamos por aqui, permita-nos dizer, para ouvir o Polonês
Transmitir os Prelúdios, por seus cabelos e
pelas pontas dos dedos.
‘Tão íntimo, esse Chopin, que sua alma
Deveria ressurgir apenas entre amigos, acho,
Dois ou três, que não tocarão a juventude florescente
Exaurida na sala de concerto adjacente’.
- E a conversa flui
De veleidades e mansos arrependimentos
Até tons atenuados de violinos
Mesclados às remotas cornetas
E então começa.

‘Não sabes o quanto eles significam para mim,
os meus amigos,
E quão, quão raro e estranho é achar
Numa vida tão tragada em indefinições e termos
(que na verdade te não amo...sabes? És não
tão cego!
Quão tu veemente és!)
Achar um amigo grato dessas qualidades,
Que as tem e doa -
Estas sobre as quais a amizade se aperfeiçoa.
Quanto significa que to diga –
Sem essas amizades - vida, que cauchemar!’*

Entre o desenrolar dos violinos
E as arietas
De gagas cornetas
Em meu cérebro dentro um tom-tom obtuso começa
Martelando absurdamente um próprio prelúdio,
De um monótono espúrio
Que afinal de contas é uma definitiva ‘nota falsa’.
- Permita-nos sorver o ar, num espiralar de tabaco,
Admirar os monumentos,
Discutir os últimos eventos,
Ajustar nossos relógios pelos relógios públicos.
E após, sentar por meia hora e tomar nosso trago túrgido.


II
Agora que os botões de lilases florescem
Tem ela rente ao leito um jarro de lilases jorrando
E com um brinca entre os dedos, falando.
‘Ah, meu amigo, não sabes, não sabes
O que é a vida, que a tens dentre as mãos’;
(lentamente torcendo da flor o talo)
‘Deixas-la fluir de ti, deixas fluir,
E a juventude é cruel, e não guarda remorsos
E sorri em situações incompreensíveis. ’
Eu sorrio, logicamente,
E continuo a tomar o chá.

‘Mesmo com esses poentes de Abril, que de alguma forma
Recordam-me vida ida, Paris na Primavera,
Sinto-me imensuravelmente pacífica, e percebo o mundo
Maravilhoso e brioso jovem, apesar de tudo. ’

A voz retorna como o tom desafinado
E insistente de um velho violino no ocaso augustiado¹.
‘E estou certa sempre de que compreendes
Meus sentimentos, sempre certa de que sentes,
Que cruzando o abismo aprendes.

És invulnerável, não tens Calcanhar de Aquiles.
Tu continuarás, e quando fores bem sucedido
Dirás: nesse ponto muitos viram o sucesso perdido.

Mas o que tenho eu, o que tenho, meu amigo,
Para dar-te, o que podes de mim receber?
Apenas a amizade, a compaixão como abrigo
De alguém cuja jornada ao fim chega a ver,

Sentar aqui, servindo chá, é o que cabe a mim... ’

Tiro o chapéu: como posso covardemente consolá-la,
Àquela que me disse tais coisas?
Verás-me qualquer manhã no parque ao largo
Lendo as anedotas e a página esportiva.
Particularmente remarco -
Uma condessa inglesa sobe ao palco, altiva.
Um grego foi morto durante a polca,
Um fraudador confessou, ousado.
Conservo minha calma, que não é pouca,
Continuo centrado.
Exceto quando um piano de rua, mecânico e cansado
Reitera alguma cantiga ordinária
Com o perfume de jacintos ao longo do jardim
Remontando o que outras pessoas têm desejado.
Essas idéias são certas ou erradas?






III

A noite de Outubro desaba: voltando como outrora
Exceto por uma sensação selênica de embaraço
Subo as escadas e enrosco a maçaneta da porta
E sinto, após, um célere cansaço.
‘Então irás ao estrangeiro; quando voltarás?
Mas isso é uma pergunta inútil
Mal sabes quando voltarás,
Tu encontrarás tanto o que aprender. ’
Meu sorriso queda bruto sobre o bric-à-brac.

‘Poderias talvez me escrever ’
Meu autocontrole cintila flâmulo por um segundo;
E foi por esse ângulo que percebi.
‘Ultimamente tenho ponderado
(mas nossos fins e começos são desencontrados)
Por que nunca fomos amigos acertados!’

Sinto-me como alguém que ri, e vê sua expressão
No espelho, quando subitamente se volta.
Meu autocontrole sucumbe, e estamos mesmo na escuridão.

‘Todos disseram, todos os nossos amigos,
Estavam certos de que nossos sentimentos encerravam
Tão próximos! Eu mesma mal posso entender.
Deixemos isso nas mãos do destino.
Tu escreverás, assim estimo.
Talvez o tempo esteja no seu cimo.
E devo sentar aqui, servindo chá aos amigos. ’

E devo apossar-me de cada forma inconstante
Para achar uma expressão... dança, dança
Como um urso dançante.
Berra como um papagaio, tagarela feito um macaco
Deixa-nos sorver o ar, numa trama de tabaco ondulante.

Bem! E se ela morresse numa tarde,
Uma tarde pálida e nebulosa, lúteo poente escarlate;
Morresse deixando-me caneta em mãos, e à parte
A fumaça fugindo quedada sobre os telhados;
Indeciso, por um momento
Sem saber o que sentir ou compreender
Seja sabia ou tolamente, tardia ou brevemente...
Ela não teria, afinal de contas, a sorte?
Essa música triunfa com uma ‘angústia outonal’
Agora que conversamos sobre a morte –
Teria o direito de sorrir?

Tradução: Maurício Borba Filho


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